Duas mulheres frequentam minha
casa. Dona Tristeza e Dona Alegria.
Dona Alegria entra sem bater, quase
invade o lugar, mexe em tudo, gosta de beber e ultimamente até de fumar. Fala
sem parar e numa altura de mamma italiana, ri desbragadamente e faz piada de
tudo. Seus olhos brilham e gosta de mostrar os dentes num sorriso sem fim. Tem
pudor nenhum de falar montes de palavrão, todos cabeludos, que vieram do tempo
que andou pelo Acre. Gosta de decotes e de se pintar no espelho. É uma mulher
exuberante, de seios fartos e sempre descabelada. Louca por água e sol. Muitas
vezes vem vestida de Euforia e aí ninguém segura essa mulher. Tem um apetite
insaciável e me ajuda a criar pratos fartos e a comer sem culpa. Muda de
assunto todo o tempo, emendando uma história na outra e encontra motivos para
se divertir até com a desgraça alheia. Não sem antes rir de suas próprias. Como
veio vai embora sem avisar, deixando a porta aberta e roupas jogadas pelo chão.
Dona Tristeza gosta de vir à noite
e parece ter o poder de passar por baixo da porta. Quando percebo já está
sentada na cadeira do quarto, à espreita. Velando pelo meu sono. Seus olhos
fundos não me perguntam nada. Seu nome é silêncio. Remói lembranças, procura
nas gavetas por fotos antigas e pequenos objetos, faz questão de me mostrar.
Fujo dela me escondendo no banheiro. Quando saio do banho ela me estende a
toalha. Muitas vezes tem um meio sorriso no rosto, como se me culpasse por ter
ficado em intimidades excessivas com Dona Alegria. Nem preciso
dizer que não se bicam. Quando vem vestida de Melancolia gosta de me convidar
pra uma taça de vinho, que sorvemos como um doce veneno. Depois fica com o
olhar perdido, imóvel, ou cobre o rosto com as duas mãos, perplexa. É uma figura
bonita, discreta, cabelos presos num coque e brincos de pérola. Magra, se
esquiva por todos os vãos e surpreende com aparições que me aguçam de súbito
o choro. Quando consegue isso passa seus dedos finos em meus cabelos e me
consola. Seu abraço provoca arrepios no meu corpo, dizem que ela tem uma prima
que...
Nunca vem juntas. Alegria adora um
sábado, gosta do dia e sua luz. Tristeza ama os domingos e a noite ganha intensidade.
Às vezes trocam horários e me confundem. A presença delas tem sido constante
nesse inverno que se alonga. Não consigo eleger uma como melhor amiga. Pode
parecer estranho, mas preciso das duas.
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