Saio pelo
terceiro dia seguido para caminhar. Retomo assim algum exercício físico, para
organizar corpo e a cabeça. Também por recomendações médicas. Bom pra asma, bom
para ansiedade. Tantas desculpas serviram para que eu parasse. Todas furadas.
Mas já me conheço o suficiente. Enquanto a necessidade extrema de endorfina não bate a porta
vou me enrolando. Apesar de gostar de muitas atividades. Experimentei várias. Gosto das que juntam corpo e mente,
como t’ai chi e ioga. Mas, por incrível que pareça, gostei de musculação. Dos
aeróbicos gosto de nadar, correr. E
andar. O mais simples de todos. O mais próximo da nossa “estrada”.
Coloco meu tênis
furado, bermuda presa com alfinete na cintura e uma camiseta. Passo filtro
solar, não posso mais abusar do sol. Que pena. Saio antes de 7, cada vez acordo
mais cedo, a noite não tem sido boa companheira. Caminho por uma avenida
próxima de casa. Poderia ser bonita e bem cuidada, mas não é. O passeio é
largo, até chegar perto do Parque Ecológico são uns dois quilômetros. Ida e
volta: quatro. Costumo fazer em uns 40 minutos. No percurso vou tentando me convencer
de que, sim, está tudo bem. O pior já passou. O ano acabando, algumas vitórias,
fechamento de processos, natal em sítio, retiro espiritual no ano novo, promessa
de mar no verão. Meu andar vai ficando confiante, abro os ombros e deixo meu
aspecto de cansada para trás. Inspiro com força o ar. Essa asma idiota precisa
acabar. Você precisa mesmo parar de fumar, sua louca.
Quase perto do
retorno começo a organizar o que devo dizer na terapia, contar do turbilhão da
semana anterior: estreia, encontro, crise respiratória, escrita, dúvida, choro,
família. Pensava já com distância, com discernimento. No final do passeio,
perto de um restaurante que frequentava e que se chama agora Prainha, faço uma curva
e volto. O passeio apresenta um ligeiro aclive. E em segundos, por uma pisada
em falso, escorregão, tontura, caio. Não foi pequeno tombo não. Vim batendo
todas as partes dos braços e pernas no muro até chegar ao chão. E bater a
cabeça no cimento. Alguém de um carro que estava parado no sinal pergunta se
preciso de ajuda. Não vejo seu rosto, mas que digo que não, obrigada. Consigo
levantar. A perna esquerda sangra um pouco, a cabeça tem um enorme galo, os
ante-braços ficaram raspados. Tudo me dói. Volto a caminhar, vacilante. As
lágrimas escorrem. Desabo. Todas as
minhas novas crenças se vão. Fico a me lamentar, começo a falar sozinha. Culpo
o mundo pela minha queda. A vida é injusta.Tenho escutado isso de tantas
pessoas. E não perco essa mania de querer explicar tudo que me acontece de
maneira simbólica. Metaforicamente. (Isso é cansativo, bem sei. Mas como
evitar? Se tudo que faço tem a ver com significar?). Em casa, um pouco mais refeita, coloco gelo nos
pontos doloridos, a sensação de anestesia é boa. O gato vem me consolar. Esse gatinho entende tudo melhor que eu. Vou ficar com alguns sinais roxos,
pele lanhada, intumescências, mas sumirão logo.
Dias depois, em
casa de minha mãe, falo com ela do tombo. Mostro as marcas. Ela me acarinha. (Ah! as mães...) E fica
querendo saber como foi. Solidária, tenta mais uma vez explicar o dia em que caiu no
quarto e fissurou uma costela, relembrar o que tinha acontecido. Descreve tudo
minuciosamente, mas não encontra a resposta. Isso tornou-se quase uma obsessão
para ela. Respiro fundo. Mãe, digo com paciência, queda não tem explicação. Se
a gente soubesse o porquê não aconteceria.
Simples demais.
Sem metáforas, por favor.