Há muito tempo queria fazer algo
assim. Mas a família, os afetos, os amigos me levaram para outros cantos. Eu ia,
cozinhava, brindava, ria, bebia, pedia. Um novo ano, amor, saúde, paz,
harmonia, trabalho, um pouco de dinheiro e todas essas coisas que pedimos
sempre, com medo de que, se não o fizermos, tudo possa dar errado. Era bom, mas
a sensação era de incompletude. Minha melancolia, que hoje compreendo melhor, me assaltava e eu chorava escondido, no meio de tanta alegria.
Dessa vez decidi por uma intuição
antiga, passar o ano em um retiro espiritual. Sem conhecidos. Sem festa. Pedi
ajuda e consegui a indicação de um lugar. Perto daqui. Um movimento que passa
por diversas crenças e segue mestres espirituais. Um Ashram que cultua a paz e
o espírito.
Saímos cedo, de carona com mais
duas moças e um rapaz suave, que nos guiava. Ao chegar encontramos a natureza
presente, cuidada pelas mãos dos que formam uma comunidade. Sou de fora,
visitante. Assim como mais quatro adultos e uma criança que vieram. Somos
acolhidos com generosidade. A comida é vegetariana. As atividades começam com
apresentações, exercícios, brincadeiras. O clima é amigável, nada sisudo.
Depois conhecemos o templo, os mantras, meditação, orações. Tudo é novo e
intenso. Mas o mundo de fora ainda me agita os pensamentos. Nos momentos de
intervalo querem saber de nós. Todos ficam curiosos com o teatro.
Então você é artista? Sim, sou. E penso no significado dessa afirmação.
Durmo na cama beliche da hospedaria
como há muito não conseguia. Estava
exausta, o esforço para estar ali fora enorme. Acordo bem disposta e alegre,
como há muito não acontecia. O dia final do ano começa com meditação. A
meditação é sempre uma tentativa. Quando conseguimos estar ali, em corpo e alma
é um presente. E assim segue o dia, como uma preparação para algo maior. Desenhamos
uma mandala, escrevemos nela nossos verbos: eu sinto, eu vejo, eu ouço, eu penso.
Depois novas atividades e a ceia foi servida, deliciosa, em volta da fogueira,
com mantras e histórias. Sentada na grama, debaixo de uma enorme mangueira, converso com a mulher que tem o mesmo nome da minha avó. Com certeza ela estava ali, comigo. Uma hora antes vamos
para o templo. Em silêncio, todos sentados, em posição de lótus. A brisa entra
pelas cortinas e elas tocam meu rosto. Agradeço por estar ali. Profundamente.
Depois em roda, mãos dadas, ouvimos o ano nascer, cantando. Vamos para o lado de fora, nos abraçamos. E descemos em silêncio, passando sobre o riachinho que circunda o local.
Durmo leve. Estou ainda assustada
por ter conseguido. Na manhã, em jejum, na entrada do templo nossos pés e mãos
são lavados. Oferecemos flores ao mestre, é bonito ver as crianças
participarem. Depois o guia espiritual nos oferta uma mensagem. Desfrutem. Mas não com o ego, com a alma. Tomamos café e
em roda, como no teatro, cada um fala do que vivenciou. É difícil não se
emocionar. Foi assim comigo também. Falo do primeiro dia e daquele. Da mudança operada. Termino dizendo: fico feliz em saber que um
deus me habita.
Volto para a cidade. Decidi parar
de fumar e de comer carne. Vou achar um
canto aqui na minha casa para rezar e meditar toda noite. Quero essa paz que
consegui lá em muitos momentos. Preciso dela.
No dia seguinte vou para o Rio,
com minha mãe e irmãs. Viagem resolvida assim de repente, na varandinha do
apartamento. Fiquei surpresa, mas pedi um ano de muitas viagens e elas começaram
a vir. Ir com nossa mãe fazer um passeio assim foi um presente. Passamos por um
ano difícil, que necessitou de muita paciência e cuidados. E as mulheres, as
filhas, são as que cuidam, quase sempre. Minha mãe adora o Rio, um dos lugares
em que passou sua lua de mel. Eu sempre achei isso a coisa mais chique desse
mundo. Em Copacabana. Mesmo lugar em que escolhemos ficar. O mar perto e tão bonito,
as calçadas desenhadas, os velhos e seus cachorros por toda parte. Os dias
ensolarados e as noites enluaradas. A gente se abraçava igual criança e dizia:
nem acredito que estamos aqui!
Quatro mulheres dividindo um
quarto, num hotel antigo. Muitas risadas, conversas e horas para ficarem
bonitas. Mamãe toda vaidosa, nunca saía sem seu baton e lenço no pescoço. Uma
rainha, cuidada por todas. Foi bom vê-la inspirada, arriscando em suas falas
pequenos poemas. Fomos comer pizza na orla, lanchar na Colombo, arriscamos Ipanema
de metrô, verdadeira aventura, fomos à Urca apreciar a vista, com os barcos e o Pão
de Açucar. Comemos muito peixe, camarão, tomamos vinho e chope. Dividimos sobremesas,
carinhosamente. Planejamos outras viagens. Nova Yorque? Buenos Aires? A vida é
tão bonita quando festejamos, quando sabemos o porquê de fazer as coisas.
Na volta venho de mãos dadas com
ela no avião. Penso: o Rio de Janeiro continua lindo. Deus está em toda parte.
Amém.