quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Dois lugares

Há muito tempo queria fazer algo assim. Mas a família, os afetos, os amigos me levaram para outros cantos. Eu ia, cozinhava, brindava, ria, bebia, pedia. Um novo ano, amor, saúde, paz, harmonia, trabalho, um pouco de dinheiro e todas essas coisas que pedimos sempre, com medo de que, se não o fizermos, tudo possa dar errado. Era bom, mas a sensação era de incompletude. Minha melancolia, que hoje compreendo melhor, me assaltava e eu chorava escondido, no meio de tanta alegria.
Dessa vez decidi por uma intuição antiga, passar o ano em um retiro espiritual. Sem conhecidos. Sem festa. Pedi ajuda e consegui a indicação de um lugar. Perto daqui. Um movimento que passa por diversas crenças e segue mestres espirituais. Um Ashram que cultua a paz e o espírito.
Saímos cedo, de carona com mais duas moças e um rapaz suave, que nos guiava. Ao chegar encontramos a natureza presente, cuidada pelas mãos dos que formam uma comunidade. Sou de fora, visitante. Assim como mais quatro adultos e uma criança que vieram. Somos acolhidos com generosidade. A comida é vegetariana. As atividades começam com apresentações, exercícios, brincadeiras. O clima é amigável, nada sisudo. Depois conhecemos o templo, os mantras, meditação, orações. Tudo é novo e intenso. Mas o mundo de fora ainda me agita os pensamentos. Nos momentos de intervalo querem saber de nós. Todos ficam curiosos com o teatro. Então você é artista? Sim, sou. E penso no significado dessa afirmação.
Durmo na cama beliche da hospedaria como há muito não conseguia.  Estava exausta, o esforço para estar ali fora enorme. Acordo bem disposta e alegre, como há muito não acontecia. O dia final do ano começa com meditação. A meditação é sempre uma tentativa. Quando conseguimos estar ali, em corpo e alma é um presente. E assim segue o dia, como uma preparação para algo maior. Desenhamos uma mandala, escrevemos nela nossos verbos: eu sinto, eu vejo, eu ouço, eu penso. Depois novas atividades e a ceia foi servida, deliciosa, em volta da fogueira, com mantras e histórias. Sentada na grama, debaixo de uma enorme mangueira, converso com a mulher que tem o mesmo nome da minha avó. Com certeza ela estava ali, comigo. Uma hora antes vamos para o templo. Em silêncio, todos sentados, em posição de lótus. A brisa entra pelas cortinas e elas tocam meu rosto. Agradeço por estar ali. Profundamente. Depois em roda, mãos dadas, ouvimos o ano nascer, cantando. Vamos para o lado de fora, nos abraçamos. E descemos em silêncio, passando sobre o riachinho que circunda o local.
Durmo leve. Estou ainda assustada por ter conseguido. Na manhã, em jejum, na entrada do templo nossos pés e mãos são lavados. Oferecemos flores ao mestre, é bonito ver as crianças participarem. Depois o guia espiritual nos oferta uma mensagem. Desfrutem. Mas não com o ego, com a alma. Tomamos café e em roda, como no teatro, cada um fala do que vivenciou. É difícil não se emocionar. Foi assim comigo também.  Falo do primeiro dia e daquele. Da mudança operada. Termino dizendo: fico feliz em saber que um deus me habita.

Volto para a cidade. Decidi parar de fumar e de comer carne.  Vou achar um canto aqui na minha casa para rezar e meditar toda noite. Quero essa paz que consegui lá em muitos momentos. Preciso dela.

No dia seguinte vou para o Rio, com minha mãe e irmãs. Viagem resolvida assim de repente, na varandinha do apartamento. Fiquei surpresa, mas pedi um ano de muitas viagens e elas começaram a vir. Ir com nossa mãe fazer um passeio assim foi um presente. Passamos por um ano difícil, que necessitou de muita paciência e cuidados. E as mulheres, as filhas, são as que cuidam, quase sempre. Minha mãe adora o Rio, um dos lugares em que passou sua lua de mel. Eu sempre achei isso a coisa mais chique desse mundo. Em Copacabana. Mesmo lugar em que escolhemos ficar. O mar perto e tão bonito, as calçadas desenhadas, os velhos e seus cachorros por toda parte. Os dias ensolarados e as noites enluaradas. A gente se abraçava igual criança e dizia: nem acredito que estamos aqui!  
Quatro mulheres dividindo um quarto, num hotel antigo. Muitas risadas, conversas e horas para ficarem bonitas. Mamãe toda vaidosa, nunca saía sem seu baton e lenço no pescoço. Uma rainha, cuidada por todas. Foi bom vê-la inspirada, arriscando em suas falas pequenos poemas. Fomos comer pizza na orla, lanchar na Colombo, arriscamos Ipanema de metrô, verdadeira aventura, fomos à Urca apreciar a vista, com os barcos e o Pão de Açucar. Comemos muito peixe, camarão, tomamos vinho e chope. Dividimos sobremesas, carinhosamente. Planejamos outras viagens. Nova Yorque? Buenos Aires? A vida é tão bonita quando festejamos, quando sabemos o porquê de fazer as coisas. 

Na volta venho de mãos dadas com ela no avião. Penso: o Rio de Janeiro continua lindo. Deus está em toda parte. Amém.