Rituais
17 de agosto. Data escolhida para
o ritual. Um mês depois do encontro na praça, choro, canções e
últimos beijos. Quando sentiu que o fim seria inevitável pensou que isso ajudaria
a evitar um pouco a dor. Um
tributo àquele espaço-tempo fora desse mundo, imantado por beleza e palavras grávidas de amor. Ideia inspirada em Marina e Ullay e o belo encontro na
muralha da China. O abraço e o adeus.
Cada um sairia de um ponto
equidistante entre suas casas. Até chegar naquele lugar, até chegar na natureza.
Água, sol e árvores. O mar seria benvindo, mas impossível. Carregariam dentro.
Cada um deveria preparar um presente para o outro. A caminhada seria feita a pé
e descalça. Então, no momento em que se encontrassem, se abraçariam em
silêncio, trocariam os presentes e se despediriam. Até nunca mais.
Acordou cedo. Não tomou
café. Começou a se preparar devagar.
Tomou banho, perfumou-se com alfazema que ele gostava tanto. Vestiu o vestido
rosa de renda antiga que havia costurado todo à mão. Fez cachos nos cabelos.
Passou delineador, puxando um pouco a lateral, ele também gostava disso quando
se conheceram. Passou um batom bem suave, enquanto pensava que não haveria
beijo.
Foi ao quintal, fez movimentos do
Tai’chi. Rezou uma reza. Pediu proteção, força, sabedoria e todas essas coisas
que a gente pede quando não sabe o que pedir. Estava quase na hora. Alegrou-se
pensando no presente que prepararia. Gostou de imaginar a cara dele abrindo o
pote e sentindo o cheiro. Apesar da tristeza estava feliz. Todas as etapas do
ritual iam acontecendo, calmas.
Entrando em casa viu aquela rosa
no jarro verde, delicado. Ela estava ali há uma semana. Presente para “a mulher
mais bonita do mundo”. Chegou murcha, querendo água. Em casa se abriu, rosa.
Ainda estava viçosa, mas em poucas horas começaria a secar. Tirou a rosa do
vaso. Abriu brusca a porta. Andou descalça pela terra falando coisas estranhas.
Despetalou a rosa esfregando-a em seu rosto e depois corpo, os olhos semicerrados.
Depois esfarelou o pistilo e pensou se daquelas sementes nasceriam roseiras.
Num ímpeto correu em volta da casa e entrou. Já sabia qual seria o próximo
passo. Abriu a gaveta do meio e achou no meio das roupas a imagem do paraíso.
Em frente à cachoeira os dois desafiam o mundo com meio sorriso. Fechou os
olhos e rasgou pacientemente a foto, pelo lado do avesso. Depois colocou num
pote pequeno de louça e queimou sobre o cimento, do lado de fora. Espalhou as
cinzas pela terra onde faria uma horta, um dia. Já sabia qual seria o próximo
passo. Fez um café bem forte. Da geladeira tirou o pote que continha goma de
fazer tapioca. Separou uma pequena quantia. Esfarelou com a ponta dos dedos até
desfazer os grumos. Esquentou a frigideira, espalhou a massa, esperou tomar
forma, virou. Partiu um pedaço de queijo minas colocou por cima, dobrou a
tapioca e colocou no prato de bordas azuis. Comeu de olhos fechados, como seu
pai gostava de comer. Tomou café, olhando para porta de vidros translúcidos. Lá
fora não havia sol. Estava frio e nublado. O seu ritual já havia acontecido.
E já sabia qual seria o próximo
passo.