sábado, 15 de novembro de 2014

Diário de Araxá (ou como nasceu Domingo)

4 de novembro
Acordo cedo para terminar de arrumar as coisas. Domingo já quer nascer. Ansiedade e medo. Vou com minha parceira de trabalho, mulher que divide comigo inquietações, de vida, amor e arte. Vamos fazer um ensaio do que temos feito em encontros únicos. Embalei fotos, pequenos objetos, um tapete da sala, um espelho. Denise faz o mesmo na casa dela, ajuda em tudo, se desdobra em tantas e tantas funções, sem nenhuma reserva. Saímos por volta das 10h30 de Belo Horizonte. Seis longas horas de viagem, com parada para almoço na beira da estrada. Tive fome, comi como uma caminhoneira. Dia findando quando chegamos.  Encontro carinho e o amigo que nos leva a essa aventura: Juarez.(Sempre grata a você, que nos deu coragem para arriscar...) Estranho um pouco tudo, estranho a cama, durmo mal. Gosto é do dia. Que amanheça!

5 de novembro
Depois do café farto de hotel fomos conhecer a casa. A casa é bonita. Uma das mais antigas da cidade. Vazia. Forte, grande, mas parece aberta à nossa loucura. (Quantas vidas, festas, choros passaram por ela?) Casa que vai se mostrando, vai deixando a gente entrar. Aos poucos, intuição nos guiando, vamos arrumando tudo. Dando vida. O vermelho emerge. Nas toalhas, na boneca da parede, nas almofadas. O sangue emerge. No lado de fora a grama está viçosa, árvores se apresentam. Procuro por terra. Preciso cavar. Encontro um lugar remexido. Ali enterrarei algo precioso. A calma vem. Todos são tão bons conosco. E por hoje é só. Precisa ser devagar. O I Ching aconselha modéstia. Teremos.

6 de novembro
Fico sozinha com ela. Nela. Peço licença. Nova morada. Ensaio em todos os cantos. Experimento. Gosto dessa liberdade. O trabalho me alimenta e cura. Tomara que alimente e cure outras pessoas também. Denise chega e ensaiamos juntas. Choramos no final. Quase sempre. No hotel a piscina aquecida nos acolhe. Água, eu preciso.

7  de novembro
Domingo nasce. Para mim e para os outros. Um dia antes do combinado. Foi bom: receber os olhares, doar as palavras e gestos. Gosto das coisas que tomam vida e nos levam. Domingo é assim. Urgente desde que quis existir. Recebemos tanto em troca: sorrisos, abraços, lágrimas. Tomamos café juntos na cozinha de azulejos azuis. A reação que mais me impressionou foi de uma jovem negra e de olhar muito doce. Pensei que estava falando para mulheres maduras. Mas ela ficou emocionada. Disse palavras tão delicadas. A arte nos salva.

8 de novembro
(Quase não consigo dormir. Ficamos conversando no escuro até tarde. Estava feliz e excitada.)

Preparo-me desde cedo. Fico sozinha. Em silêncio. Passo textos numa área do hotel, numa grama bem verdinha e aparada. Não almoço. Preciso ter fome para atuar. Na casa arrumamos coisas. Faço massa de pão de queijo. (Quase colocamos fogo no forno. Mas tudo fica resolvido a tempo, com os anjos da guarda de Araxá: Marcinha, Wlad, Gigi, Carol...)
Tenho ajuda o tempo todo da Dedê, assim comecei a chamar carinhosamente minha querida Denise, amiga e parceira. Encontro muito feliz. A primeira pessoa em quem pensei quando, do meio do meu desespero, senti que precisava me parir de novo. Ela veio e ficou. Estamos juntas em cena.
Ligo pra minha mãe. Peço sua benção. Falo com as minhas irmãs. Mulheres importantes na minha vida. A chuva começa. Eu começo. Ela para. Eu continuo. Foi um turbilhão. Renasce Domingo.
Na conversa, com café e pães de queijo, refaço a ideia de fazer só para mulheres. Os homens foram tão generosos! E foi bom ouvir cada um, cada uma, na intimidade da cozinha, que já era um pouco nossa. Cada história e semelhança. Dividir, somar.

Agora estou com um vazio de Domingo. Desejo avidamente os que virão.