[Esse texto pode ser lido separado (creio que tem sentido , mas não tenho certeza...) ou em continuidade dos seguintes: Noventa dias de tormenta, Em terra, uma história, Um homem bom e Dos sonhos]
Eu só queria ver o mar. Pediu muito devagar a mulher, com os
olhos de sonho. Agora. Sim. Vamos então.
Saíram pela porta lateral, passando por um caminho de pedras
bem assentadas e cercado de verdes. Era uma estradinha que logo deu na areia
fina. No fim de uma pequena subida avistou as primeiras vagas. Foi como se uma
dor a invadisse. Soltou um longo ah...e logo reagiu tapando a boca, como se
tivesse medo de tudo recomeçar. Tonteou. Calma. Em casa de enforcado não se
fala em corda. A mulher conseguiu rir baixo e depois desatou em choro livre. A
outra a amparava, passando a mão nos seus cabelos. Vamos sente-se aqui.
Eu só queria entender porque me deixei levar tanto tempo, sabe?
O naufrágio era certo, como certos são: essa areia, céu, sol, eu e você. Eu sabia que
não devia, mas me deixei levar e levar e levar. Não se culpe. Foi o melhor
naquele momento. Não tenho tanta certeza. Agora não importa mais. O que você
viveu ninguém pode mudar. Não sabia que podia ser tão doloroso. O quê. O amor. O
amar. Amar. O mar.
Você não consegue falar das coisas de maneira comum. Sempre metafórica.
Sim é cansativo, vício de profissão. O que você fazia. Eu era atriz. No teatro.
E ficou surpresa e alegre em lembrar. Entendo melhor agora. Entende o quê. Você
está vivendo um papel. Antes fosse. Eu estava brincando. Não deixa de ter sua
razão. Eu inventei uma história de amor, parte por parte, cena por cena e
depois a interpretei. Mas o roteiro se rebelou, criou outras páginas e personagens
não previstos. O que era doçura virou ironia. O que era bonito endureceu. E
a cena se desmanchou em atuações melodramáticas. E depois trágicas. As luzes se
apagaram. Os espectadores se decepcionaram. O espetáculo ficou sem final. Acabou de
repente, como começou. Admiro sua
imaginação. Não admire. Ela só me fez sofrer ainda mais fundo. Sim, mas só ela
pode te curar. A mulher admirou a argúcia de Páscoa. Elas conviviam há tão
pouco tempo e a outra já a conhecia como pouca gente. Essa mulher deve ter
passado por coisas que nem tenho ideia. E com carinho buscou os olhos da outra,
escuros e brilhantes. Ela aquiesceu, tinha uma paz de quem superou o sofrer, era
mais experiente e mais sábia.
Ficaram quietas por um quarto de hora. O vento era forte e
inflava os vestidos estampados das mulheres. Você precisa descobrir como chegou
aqui. Eu não sei. Minha última imagem real é a de um quarto num apartamento, uma
briga, as escadas, um carro, o caminho para minha casa e. Branco, branco, branco. Depois
mar, mar, mar.
E o nome. Não me lembro. E como quer ser chamada. Bárbara.
Gosto desse nome. Eu também. Quer voltar. Deixe-me olhar com calma para ele.
Olhe o quanto quiser. Vou fumar um cigarro. Ah, eu gosto de cigarros. Sim. Quer
um. Fumamos juntas. Pode ser. Umas baforadas e já me sentirei uma mulher nova.
Riram-se.