domingo, 12 de abril de 2015

Sábado

Saiu do Maletta pisando firme, com sua calça jeans com cara de anos 70, botas usadas e uma camiseta molenga de listras azuis, navy, roubada da filha. Uns copos da velha Heineken deixaram-na leve, assim como a conversa divertida com amigos, no meio do burburinho da rapaziada, artistas e malucos de sempre. Aquele lugar era antigo e as pessoas pareciam as mesmas. Era como se tivesse 20 anos e muita esperança na vida. Os poros abertos e prontos pra viver tudo com intensidade. Ah...aquela sensação de vertigem diante de tudo. (Podiam vender em frascos. Com uma respiração teria tudo de volta.)

Andando pela Avenida Augusto de Lima, seus 55 anos voltaram, mas de outro jeito. Tinha mais coragem. Seus ombros caídos se aprumavam. Acabou? Parece que aquela mágoa se dissipava, enfim. Aquele incômodo no estômago. Acho que sim, agora sim. Como a vida podia ser plena de novo.
Bom estar em cartaz num teatro no centro da cidade, um pouco de luxo, “por deus, que eu também preciso”, diria Clarice. Depois um bar, bebida, riso. Um pouco de comemoração. Andava carente de celebrar. Bebia pouco, não comia mais carne, não fumava. E não tinha companhia. Se é que me entendem. Sem príncipes ou sapos seguia. As noites eram longas, às vezes insones. Mas hoje era tudo diferente. Era? Ou apenas queria que fosse?

Pegou o primeiro ônibus. Teria que baldear no bairro. Na viagem pensou que há mais de 30 anos fazia aquele trajeto. Quase sempre no transporte público. Ruim. Demorado. Cheio. Conseguiu se sentar e veio observando as ruas. Tudo mudou pouco. O progresso chegou, mas nem por isso o caminho ficou mais curto. Cada vez parecia mais demorado chegar. Desceu no Esquinão. O nome permanecera, mas nem existia mais o lugar de sanduíches, perto da sua casa antiga. Lembrou que ela ficava na rua de trás. Teve vontade de atravessar, virar a esquina à direita e bater. Pra conversar, sei lá... A solidão não é boa conselheira. Ou é?

Ficou no ponto. Quinze minutos foram suficientes para que desatasse a chorar. Do nada. De novo. Era dona Alegria ou Tristeza batendo? As duas, juntas. Chorou sem vergonha dos que a observavam. “Eu gosto de chorar, eu preciso....” Entendeu que ficar parada não lhe fazia bem. O I Ching já aconselhava, a terapeuta também. Manter a pulsação.


Recomeçou a andar. Seriam dez quarteirões até a casa amarela. Acelerou o passo. O frio do outono entrou pelas suas narinas. Chegou aos pulmões. Ar fresco. Respira, respira. Fechou o moleton encarnado. Passou a mãos nos cabelos, louros e brancos. Começou a sorrir de novo. Até que sua vida era boa. Era sim. Em casa um gato a esperava.