domingo, 27 de julho de 2014

Comigo

Experimento novamente a solidão.
Não é definitiva, mas profunda. Solidão parcial na ausência da filha, amiga e confidente agora. Ah! as mulheres e suas vidas. As mulheres e seus segredos.
Descobri muito tarde o valor de ficar sozinha.
Aos 48 anos fui morar em pequeno apartamento.
Vivi por quase dois anos ali. Sem tv, poucos amigos, família meio distante, todos doloridos com a separação. Aprendi muitas coisas no escuro, evitava acender luzes, muitas vezes deixava apenas os fachos dos postes do conjunto habitacional entrarem. Foram dias de muita dor e mudanças enormes. Não previstas, como imprevista é a vida.
Entender o próprio ritmo assusta um pouco. A solidão assusta porque é amiga da liberdade. Mas às vezes não sabemos o que fazer com ela. De dia muitos pássaros e o verde de tantas árvores, do conjunto habitacional, me enchiam de novo de esperança e eu seguia. 
(Um dia a vida me presenteou e vivi numa nuvem/quarto cor de rosa por um sem tempo. Depois veio a filha e com os filhos a casa vira novamente um lar. Tive vontade de receber amigos e festejar um pouco.)
Agora é diferente. Já conheço a sensação. Gosto. Um pouco de vazio, um pouco de silêncio. Um pouco de tristeza. Ouvir as vontades, respeitar o seu tempo. Esse aprendizado continua. Demorei muito para saber exatamente o que eu queria. Nas coisas simples, domésticas. E nas outras. Poder inventar uma rotina de acordo apenas com você e suas escolhas, tarefa que exige uma paciente coragem.
Descobri que gosto mais do dia que da noite, descobri que não gosto de almoçar cedo, descobri que posso dizer não. Descobri que posso ser boa companhia. (Ainda não descobri um jeito melhor com as plantas, mas vai acontecer.)
Quando sinto necessidade de falar, pois estar só é ficar calada, falo comigo mesma no espelho velho do lavabo. A que está do outro lado é mais firme que eu, coloca questões, cobra, dá broncas quando precisa. Eu ouço e rio de mim mesma. De nós mesmas. Sim, a solidão permite rir da vida, sonoras gargalhadas. E chorar, sempre. Por que gosto de chorar, preciso.
Nessa casa a solidão é mais bonita, porque a casa foi pensada e feita com tanto amor, que seu colo me preenche quando estou sozinha.

A solidão é meu exercício para estar no mundo. Para fazer arte. Para amar novamente.

Um comentário:

  1. O desenhos que os carros faziam nas paredes... as janelas reinventadas nas paredes da casa. A luz sempre precisa entrar. Lindo texto!

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