Esse ano decidi ficar fora da
folia. Nos últimos tempos essa data foi sempre intensa para mim, repleta de
momentos que combinavam com a alegria e euforia do carnaval. Dias felizes,
embebidos na mais pura ilusão. Desde a decisão de “sair do armário” aquela
tarde distante em Santa Tereza, passamos por muitas fantasias, brilhamos, brincamos,
até nos pintarmos com as cores do pavão de Krishna, no ano passado: “No
carnaval te conheci/ transcendental te segui...” Foram bonitos aqueles dias de
chuva, suor e cerveja pelas ruas e praças. O carnaval crescendo, o amor crescendo,
as ruas se enchendo e a gente vendo tudo aquilo, com um orgulho e uma esperança
enormes na cidade, nas pessoas e em nós mesmos. Minha carne sempre foi de
carnaval.
Agora que a paixão maior se foi (sei
que um dia vai voltar mas demora tempo) recolho-me à solidão da minha casa em
companhia de minha mãe. Longos silêncios e reflexões sobre a vida. Sobre o
amor. Sobre viver sozinha. “Você não tem medo de ficar aqui sem ninguém?”
Respondo como Diadorim: “Costumo não.” Mas por dentro sei que às vezes tenho
medo sim. De mim.
De longe vejo a alegria dos
outros pulsando na tela. Já é carnaval. Sorridentes, coloridos, desafiantes.
Vem? Vou não. Hoje não. Antes preciso me curar da ressaca do último baile. Confesso
que exagerei.
E permaneço firme na minha
decisão. Até que escutei minha mãe chateada dizer: “Só porque tenho quase 85
anos ninguém quer me levar ao carnaval.” Aquilo ecoou em mim. Envelhecer tem
sido uma questão que me toca todos os dias. “Talvez a gente consiga alguma
coisa aqui no Serrano, mãe. Eu te levo.” Mas falo sem acreditar muito. E então fico
sabendo que aqui no bairro, bem pertinho da gente, a querida Rose, minha amiga
e parceira de vida e luta, fundou o Bloco das Primas. E que vai ter cortejo
pelas ruas do bairro. Ah...Rose! Só você mesmo pra me fazer mudar de ideia,
ainda que com o coração sujo de confetes e serpentinas antigas.
Domingo cedo saio em busca de um
turbante, coloco uma saia estampada, arrumo uns colares pra minha parceira,
pintamos o rosto e lá vamos nós. No caminho esboço um sorriso, respiro fundo e
lembro-me do meu pai cantando pra mim, há muito, muito tempo atrás: Loirinha,
loirinha / Dos olhos claros de cristal...
Resta uma esperança. Outros carnavais
virão. Mesmo triste aceito o convite do moço que passa: vamos brincar?
lindo Cida!
ResponderExcluir"ainda que com o coração sujo de confetes e serpentinas antigas" sigamos o bloco!
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