domingo, 30 de novembro de 2014

Oxigênio



 Acorda assustada às 4h30 da manhã. Falta-lhe o ar. Os pulmões cheios. A tristeza ainda não foi embora então? Como demora. A asma é assim: ronda, ronda e quando se instala é pra valer. Desde criança soube disso. Quem mandou ficar fumando cigarros, quatro por dia, como se fosse uma garota. Bem feito! A chiadeira, felino no peito, cresce na madrugada. Cama fria, sem carinho, chuva lá fora, umedecendo a alma. E aqui o desespero pelo ar. Quanto mais se puxa menos entra. Então ela se levanta, pensa num banho quente porque o vapor pode ajudar. Pelo menos tinha uma suíte, ideia que vingara porque queria ter privacidade com seu bem. Agora pra que servia? Besteira esses luxos. Serve, não serve. Mania de pensar nos contrários, negar o que desejou. Era um exercício necessário agora. (Depois refaço tudo, para o bem de todos, na minha cabeça doida sou eu). Chuveiro com água pelando, vidro do box, outro luxinho, embaçado. Volta pra cama depois de se enxugar, os cabelos molharam um pouco. Encosta-se nos dois travesseiros, inquieta. Usa a primeira vez a bombinha. Dois jatos. Droga que alivia. Não faz efeito. Sua ansiedade não deixa. Resolve tomar chá de hortelã, com um pouco de mel. Toma bem quente. Melhora um  pouco. Minutos. Mas logo a falta, a falta, sempre essa falta. De ar. Será que eu posso morrer assim? Sentiu medo. A filha dormia ao lado, cansada de uma viagem longa. Não teve coragem de acordá-la. Vai passar. Fixa o olhar nos azulejos da cozinha. Eles. Resolve ir ao posto médico. Tinha um plano particular, mas perdera, sem grana pra pagar. Usa de novo a bombinha. Só mais essa vez. Liga para o ponto de táxi. Não atendem. Vai andando devagar. Sobe a rua cumprida. Passa perto do supermercado, lembra-se das compras que faziam juntos, vinho, cerveja, comida. Tudo era motivo para. Uma alegria de compartilhar. Era bom. Era. Chega ofegante na avenida. Mais um pouco e se apresenta na janelinha do posto. Ficha. Depois passa pela triagem e força um pouco a falta de ar. A mulher coloca um medidor no seu dedo indicador e garante: ventilação normal. Pulseirinha verde. Ah...quer dizer que estou boa? Fala com ironia. A moça responde com paciência: não foi isso que eu quis dizer. Passa para outro local, parece um depósito. Telhas metálicas, tapumes de madeirite, um container servindo de consultório. Pensa um pouco nas dificuldades de quem mora longe do centro, no descaso com as pessoas menos favorecidas. Desanimada, chora. Alguns olham. Azar, pensa. Sou assim. Depois de uns 15 minutos escuta seu nome. Maria Aparecida.

Apresento meus olhos marejados e minha insuficiência respiratória à Dra. Carla, tão nova. Ela escuta. Desabo, deixo as lágrimas correrem no rosto abatido. Ela pergunta se aconteceu alguma coisa. Eu digo que é difícil passar mal quando se está sozinha. Ela segura minha mão e diz: eu estou aqui. Aconselha que fique longe de poeira, animais, problemas demais. Seus olhos se parecem com os do gatinho que vive em casa há uma semana. (Hoje escreveria sobre ele, mas a asma foi mais urgente.) Olhos que me viram, no fundo. Com delicadeza escuta meu coração e os pulmões. O direito está mais tomado, diz. Prescreve uma inalação. Outra moça, enfermeira de sorriso doce, me ajuda. Só vejo mulheres atendendo no posto. A dedicação delas compensa a falta geral de condições do lugar. Coloco a máscara verde e consigo inspirar aquele ar úmido. Outra droga. Não choro mais. É preciso evitar esse vazamento público. Termina o tempo. Reanimada volto a ela e agradeço.

Arrumo os cabelos, presos num coque. Atravesso a sala de espera do posto, vejo aquelas pessoas. Penso no que adoece cada um. A menina pequena. A mulher de cabelos tingidos de louro. O homem velho com um curativo sobre o olho esquerdo. Saio. Venho caminhando pelas ruas, mais forte. Vou refazendo aquele percurso conhecido, que atravessava no nosso carro velho, cor vinho-metálico. O bar, a sorveteria, os correios, a padaria chic. Agora sou sozinha de novo. Preciso saber cuidar de mim. Preciso aprender a respirar. Todos os dias.

Um comentário: