Então ao quadragésimo terceiro
dia sobreveio-lhe uma calma. Foi depois do chá de hortelã e de dar boa noite a
sua filha. Vinha de um dia cheio e de uma noite de ensaio. Nem sabia mais o que
era dormir mais de cinco horas de sono. Seus olhos estavam fundos. Emagrecera
uns três quilos, o que, afinal, deixava-a meio alegrinha. Queria ser magra. Então,
enquanto arrastava sua falta de esperança pela casa, esquentando a água no
caneco, e olhando a pia desarrumada, sentiu uma mudança. Tempestade que cessa
assim como veio. Sem aviso. Sorriu um pouco, com medo de estar sendo ingênua de
novo. Não. Era diferente. Sentou-se na cadeira e apagou as luzes, queria
aproveitar intensamente aquele momento.
A luminosidade da rua atravessava as tantas janelas e a porta, de
postigo, que compraram juntos, depois de tanta procura. Acendeu um cigarro de
palha, vício ao que voltara até se sentir melhor, e fumou, sorvendo longas
tragadas. De dentro via o quintal que se iluminava tanto pela noite estrelada e
limpa, quanto pelo pequeno refletor que se acendia quando passavam em frente à
casa, no passeio. "Assim você fica mais segura". Sempre preocupado
com seu bem estar, com sua vida. Cercando-a de tantos cuidados que a deixavam
mimada e feliz como uma adolescente. Mas na hora não pensou nisso. De certo
modo meditava, porque conseguia não pensar em nada, apenas observava as coisas.
O gato branco se movendo lento lá fora. O balcão bonito de madeira de lei da
cozinha, os azulejos em mosaico, as plantas que se abriam em flor, a orquídea
com três novos brotos, prometendo beleza. Os recortes das grades projetavam-se
nos vidros e dos vidros vinham dar dentro de casa, no chão de cimento queimado.
As poltronas oferecendo aconchego. O telhado espiando do alto para ela. Tudo
quietava. Era um silêncio que começava dentro dela e pedia mais silêncio e mais
calma. Como um turbilhão ao contrário, que vai perdendo força, até terminar. Aproveitou
daquela sensação nova e alentadora. Pronto? Acabou então? Podia ter uma vida de
volta? Era cedo pra dizer. Levantou-se para ir à cozinha, encheu um copo d’água
no escuro, foi para o seu quarto. A cama já estava arrumada, com muitas
cobertas e dois travesseiros. Parecia macia e quente. Deitou-se, rezou um
pouco. Agradeceu e dormiu. Profundamente. A partir de agora seria assim: uma
noite de cada vez.
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